Lou Reed, jovem e ativo, em um sombrio e decadente bar onde frascos de vaselina envergam as prateleiras e os freqüentadores (homens, apenas) se encontram em uma peça contígua, aos fundos, em sessões regulares de sexo?
Iggy Pop, chapado após cheirar carreiras intermináveis de calmante para elefantes, sendo içado acima da cabeça por um Elton John (sim, Elton John) fantasiado de gorila (sim, fantasiado de gorila) em uma casa de shows em Atlanta, no palco que viria a ser um dos últimos em que os Stooges subiria?
Joey Ramone, após sair do hospício e ser expulso de casa, no chão do ateliê que sua mãe mantinha, dormindo em uma espécie de biombo improvisado com pinturas, refugiando-se de policiais que, “à procura de algo”, constantemente direcionavam o facho de luz de suas lanternas através dos vidros, vistoriando o lugar?
Não, não é pura invenção de quem vos escreve, ninguém teria tamanha imaginação.
Essas e outras tantas histórias compõem “Mate-me, Por favor – uma história sem censura do Punk”( editora L&PM, quatrocentos e poucas páginas), de Legs McNeil e Gillian McCain, livro feito de narrações e depoimentos reveladores, impactantes, bem-humorados daqueles que fizeram o rock como ele é: uma cusparada nas aparências, uma provocação ao status quo, uma subversão dos costumes e ao mesmo tempo algo divertido e jovem.
Ao contrário dos documentários encomendados por gravadoras e compostos para fazer crescer ainda mais o mito e aumentar as vendas, “Mate-me, Por favor” nos revela fragilidades, inadequações e dilemas inconfessáveis dos astros de sempre do rock, e talvez esteja aí um de seus valores: a desmitificação.
A iconoclastia e o hedonismo de Jim Morrisson são expostos e comentados por quem conviveu com ele, o brilhantismo selvagem e infantil de Iggy que se contrapunha à uma espécie de auto-imolação física e psicológica do vocalista, a melancolia natural de uma Nico pouco talentosa, pupila de Warhol, o freak esquizofrênico caça-talentos, a arrogância do intratável Lou Reed os tiram de vez do pedestal, colocando-os no asfalto quente e musical americano do final dos anos 60 e inicio dos anos 70.
Outro mérito do livro é o de nos levar direto ao cenário efervescente onde tudo de fato surgiu e aconteceu: às esquinas nova-iorquinas onde michês circulavam (Dee Dee Ramone entre eles), a Factory de Warhol, os prédios com escadas que ameaçavam desmoronar em que traficantes forneciam drogas 24 horas aos músicos das bandas, os pubs ingleses e o fatal encontro entre Sid Vicious e Nancy Spungdeon, os saguões de hotéis em que groupies profissionais (incrivelmente adolescentes e loucas) com meias arrastão e canivetes nas bolsas disputavam a atenção dos insinuantes e glitterados New York Dolls e outros “10 mais das paradas de sucesso” para levá-los para cama e garantirem drogas e seus lugares na história.
Aliás, o livro inteiro é permeado por drogas pesadas, trepadas indiscriminadas (uma inclusive acompanhada pelo voyuer David Bowie, que assistia entusiasmado, pelo buraco da fechadura, sua esposa ser traçada por seu segurança),incursões pelas penitenciárias e insultos.
Destaque especial para a ascensão do até então às moscas CBGB’s, creditada à astuta e sempre recitante poeta e cantora Patti Smith, que junto com o Television levantou o lugar que mais tarde receberia a primeira descarga da turbina devastadora chamada RAMONES e se tornaria conhecida mundialmente.
O livro traz o início de Patti Smith, dos Stooges,do MC5, dos Ramones, Sex Pistols, New Order e tantas almas e cabeças deliciosamente fodidas.
Enfim, comprado, pego emprestado, roubado: “Mate-me, Por Favor- Uma História Sem Censura do Punk ” valerá cada centavo, cada constragimento inútil, cada dia na DP (mas não seja pego!).
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