quinta-feira, 27 de março de 2014

Johnny Cash e o disco de inéditas "Out Among The Stars"

2014, Sony Music
Todo mundo sabe que Johnny Cash vendeu disco que nem água. Também sabe-se que ele é o único cantor a fazer parte do Hall da Fama em três estilos musicais diferentes: country, rock e gospel. Já o que pouca gente sabia é que o cantor havia gravado vária canções em meados dos anos 80, mas por desentendimento com a gravadora, o material foi engavetado. Pois bem, em março de 2014 John Carter Cash, filho do cantor falecido em 2003, anunciou o lançamento do disco de inéditas "Out Among The Stars" para o dia 25. Pois bem, depois de ouvir dezenas de vezes:
A faixa Out Among The Stars abre o  o quarto disco póstumo do artista com um country suave além da tradicional cadencia do baixo e bateria que Walk The Line. Em Baby Ride Easy Cash divide os vocais com sua eterna parceira da vida e dos palcos, June Carter. A voz dela, bem ao estilo caipira americana e afinadíssima casa perfeitamente com a voz baixo-barítono do Johnny Cash. É uma melodia fácil alegre do 
tipo que fica na cabeça. Mas nem tudo são flores. She Used To Love Me A Lot é um puco melancólica e matem a tradição um tanto quanto sombria do homem de preto. Seguindo o enterro, a coisa fica mais rock in roll com I'm Movin' On. Waylon Jennings divide o vocal e crava a melhor canção do disco. Rock And Roll Shoes também não deixa pra menos. A faixa com um guitarra virtuosa ao estilo do bom é velho blues. Segundo Carter Cash, nos arquivos do pai há mais material inédito. Que sorte a nossa! Pode-se ouvir o disco online na integra enquanto a bolacha ou bolachinha não chegam ao Brasil. É só visitar o site da Sony



domingo, 23 de março de 2014

What The...: Black Flag

(SST Records, 2013)
Depois de quase trinta anos, uma das bandas mais importantes do Hardcore ressuscita e crava disco de inéditas.
Logo depois de lançar In My Head, em 1985, a banda encerrou as atividades. Os ex-membros do Black Flag (são dezenas) continuaram com diversos outros trabalhos dentro cena punk da Califórnia. Mas em 2013 Greg Ginn, guitarrista e fundador do grupo, resolveu voltar com nova formação. Ginn convidou o vocalista Ron Reyes, que fez parte da banda até 1980, e inicialmente lançaram o single Down In The Dirt. Mais tarde, em novembro do ano passado, lançaram o sétimo e mais recente disco da banda. Pouco tempo depois Reyes deixa o grupo e encorpa vasto número de ex-vocalistas do Black Flag, entre eles Keith Morris (Circle Jerks) e Henry Rollins, este considerado o cantor e compositor que mais contribuiu para a banda. Mike Vallely, o skatista profissional, ator, dublê, lutador, jogador de Hockey e músico substituiu Reyes.
A discografia do Black Flag é tão heterogênea quanto os vários membros que passaram pelo grupo. Eles jamais perderam o foco do Hardcore tradicional californiano, mas cada álbum se apresenta de forma diferente, misturando punk rock, jazz, metal e assim por diante.
Em What The... o destaque fica por conta da guitarra característica de Greg Ginn. Há muitos solos e distorções, coisa pouco usual em banda antigas de HC e que exige muita habilidade. A maioria das 22 canções deixa a desejar pelo que já vimos em discos como Damaged (1981) e My War (1983), mas, mesmo assim, vale a pena. Aliás, quem foi lenda tem crédito, quem volta trinta anos depois, tem crédito.



Escute bem "O Som ao Redor"

Cartaz oficial
Latidos, carros batendo, crianças brincando no play do condomínio, músicas na carroça do vendedor ambulante, são estes, entre outros, "os sons ao redor" que ouvimos no bairro de classe média do Recife. Pois bem, é neste ambiente que se desenrola o enredo do filme brasileiro mais bem comentado e premiado de 2013, O Som ao Redor, do diretor Kleber Mendonça Filho.

João é um corretor de imóveis e seu avô dono de mais da metade dos apartamentos do bairro. Coincidentemente, logo depois de alguns roubos na região um grupo de capangas oferece segurança particular para os moradores. A partir daí, o que temos é uma belíssima crônica da realidade vivida num condomínio da metrópole Pernambucana. Sem querer revelar muito da história, mas já revelando, a trama apresenta, com muita sensibilidade, uma dona de casa casada e entediada que não suporta mais o latido do cachorro vizinho e se masturba com a vibração da máquina de lavar, um vendedor de água mineral e maconha, uma reunião de condomínio surreal (como 90% delas) que tenta demitir o porteiro, um corretor de imóveis que tenta começar um namoro fadado ao fracasso e assim por diante. O destaque do longa é ele nos convence de que não há história mais bela e impressionante do que a "simples" realidade, o cotidiano.
Então é isso, pare, olho e escute O Som ao Redor.

Sobre os prêmios:
O filme foi apontado pelo jornal The New York Times, como um dos 10 melhores longas do mundo realizados em 2012 e recebeu os seguintes canecos:
36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: Melhor Filme
Prêmio Itamaraty: Melhor Filme
Festival do Rio: Melhor Filme
Festival de Gramado: Melhor Filme, Melhor Som e Filme da Crítica
International Film Festival Rotterdam: Prêmio da Crítica
Festival de Cinema da Polônia: Melhor Filme
Copenhagen International Film Festival: Melhor Filme
Festival de Cinema da Sérvia: Melhor Filme
3º Prêmio Cinema Tropical: Melhor Filme
Associação de Críticos de Toronto: Melhor Filme


quarta-feira, 12 de março de 2014

My Bloody Valentine e o disco que quase não sai

2013
A demora foi tanta que o terceiro álbum do grupo já estava sendo apelidado de Chinese Democracy indie. Bom, foram 21 anos de espera, então a lentidão do Axl Rose, 12 anos, é pinto.  
Dizem que a mania de perfeição quase doentia do líder da banda, Kevin Shields (voz e guitarra), faliu a gravadora responsável por Loveless (1991), o segundo e mais aclamado disco dos irlandeses. Existem rumores de que Loveless tenha sido o álbum mais caro da história. E o dinheiro investido jamais foi recuperado, mesmo com a boa aceitação do disco na Europa e Estados Unidos. Nesse intervalo de 21 anos o grupo chegou a ter dois álbuns finalizados, mas acabaram sendo simplesmente descartados por Shields. Muitos acreditavam que MBV jamais seria lançado. Pois bem, eis que numa madrugada qualquer de 2013, sem alarde e para a surpresa de todos, o megalomaníaco Shields anuncia o lançamento do disco. Pra não cansar os leitores, vamos ao MBV:
Várias camadas de som, muita distorção e a voz sussurrada de Bilinda Butcher (voz e guitarra) é o que temos logo música de abertura, She Found Now. Escrevendo assim parece que estou me referindo ao Loveless ou a própria essência do shoegaze. Mas é exatamente isso. O My Bloody Valentine fez o que os fãs queriam: manteve a sonoridade que os consagrou no inicio dos anos 90. Já a faixa Who Sees You é um pouco mais barulhenta. A dupla guitarras aparece mais agressiva e é difícil acreditar que são "apenas" duas. A voz doce da Butcher volta a se destacar na excelente canção If I An. New You. Já In Another Way só faz reforçar a frase implícita que permeia todo o disco: bem-vindos à 1991. 
Tentando resumir e sendo redundante, trata-se de um disco pra quem gosta de My Bloody Valentine. O bom e velho, My Bloody Valentine. São cações para a audição sensível e criteriosa dos amantes de rock alternativo, por tanto, aperte o play, pegue um café, sente no sofá e aprecie sem moderação. Nos vemos daqui a 21 anos.



sexta-feira, 7 de março de 2014

1994 foi um ano ruim

1920-1994
Há vinte anos um jornal brasileiro estampava a seguinte manchete: "Adeus ao poeta da sarjeta". Pois bem, era o fim da linha para o escritor Charles Bukowski. Nesse dia, encontrou-se com um belo, silencioso e imenso nada. 
Ele nasceu na Alemanha, mas aos três anos de idade foi para Los Angeles com os pais. Lá escreveu romances, poemas e contos. Todos de caráter extremamente autobiográfico. Garotas de programa, bêbados, poetas tentando sobreviver e brigas faziam parte de sua literatura. É uma escrita direta, sem firulas ou sentimentalismo. Mas ao mesmo tempo é possível perceber sensibilidade poética por trás dos textos. A mãe era aliena e submissa. O pai um ex-militar autoritário e violento. Batia no jovem Charles com frequência, como o próprio escritor conta no documentário Born To This e no romance Misto-quente.
Ainda jovem Bukowski chega em casa e vê seu textos e sua máquina de escrever espalhados no gramado. Ele corre e junta os papéis que estão sendo levados pelo vento. Recolhe a máquina de escrever e decide sair de casa . Eis o início da longa trajetória dele. Ele passa a morar em hotéis baratos a base de muito álcool, cigarros e amores desequilibrados. Enquanto não ganha dinheiro com a literatura, Bukowski se vira com trabalhos temporários como motorista de caminhão, operário em fabricas, faxineiro. Mais tarde o poeta ainda desconhecido trabalha 15 anos nos correios. 
Publicou seu primeiro conto aos 24 anos, mas só se tornou famoso e passou a viver da literatura após os 50 anos de idade. Quase toda a vida de Bukowski está retratada em seu trabalhos. Recomendo os romances Factótum (1975), Mulheres (1978), Misto-quente (1982), Hollywood (1989) e Pulp (1994). Os livros de contos Numa Fria (1983), Crônica de um amor louco (1983). E o livro de poesias O amor é um cão dos diabos (1977).
Morreu de pneumonia no dia 9 de março de 1994, aos 73 anos, em San Pedro, Califórnia. No mesmo ano de Senna e Cobain, mas isso é história para outra postagem, essa acaba aqui.


   

A melancolia ensolarada do Vampire Weekend

XL Recordings 2013
Depois de Vampire Weekend (2008) e Contra (2010) aí está Modern Vampires of the City, terceiro disco de estúdio do novaiorquinos.
Logo na primeira audição dá pra cravar, sem medo, que trata-se da continuação de Contra. A banda preferiu, para o bem de todos nós, manter a pegada indie e worldbeat, ou seja, rock alternativo junto com música popular de todo canto do planeta que você possa imaginar.
A canção Obvious Bicycle abre o disco com o falsete e a melancolia que já conhecemos bem. É uma faixa delicadamente triste tanto quanto a que encerra o álbum, Young Lion. Ambas são praticamente apenas voz e piano. Na mesma praia temos Hudson, Hannah Hunt e Step. Já as músicas que justificam a palavra ensolarada usado no título são Unbelievers,  Diane Young,  Finger Back e destaque para Worship You. O que se ouve é uma bela mistura ritmos como folk, celta, música africana. Encurtando a história, dá pra dizer que é um bom disco e nos faz lembrar que existe vida após 2001. 


sexta-feira, 19 de julho de 2013

A Skin Too Few


Mesmo sendo considerado um gênio, Nick fracassou. O jovem tímido, culto, elegante e virtuoso ao violão teve que deixar o apartamento que dividia com a irmã em Londres e voltar à casa dos pais em  Warwickshire (Inglaterra) por falta de dinheiro. Lá, entregue à depressão, tomou um monte de comprimidos, foi dormir e nunca mais acordou. Começando a história pelo fim, este texto existe pra recomendar o documentário A Skin Too Few, que conta um pouco sobre a breve trajetória do músico Nick Drake.

A partir de depoimentos dos amigos e familiares, principalmente da irmã Gabrielle Drake, A Skin Too Few sintetiza com muita competência a vida de Nick. Imagens raras da infância, entrevistas com os pais e pessoas que trabalharam e estudaram com ele dão forma ao filme.
Sabe-se que o músico era muito introvertido, mas o que impressiona é saber que Nick não se abria mesmo com amigos íntimos e a própria irmã. "Era difícil saber o que ele estava pensando ou sentido" conta Gabrielle.

Nascido na antiga Birmânia em 1948 Nick foi ainda criança para a Inglaterra com os pais. Frequentou boas escolas e estudou Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge por um tempo. "Havia um certo ar de superioridade do nosso lado em relação a outros estudantes que vinham para a aula em suas bicicletas. Gostávamos de levantar tarde, fumar maconha e nós não íamos às aulas", lembra o colega de faculdade Briam Wells. Quanto ao som, Nick fazia uma mistura de folk e blues, mas sempre com um jeito de tocar violão quase erudito ou clássico. O musico  Paul Weller  aparece no documentário e tem uma definição melhor que a minha: "Conheci a música de Nick Drake bastante tarde, e ele tem algo mágico, você sabe. Há misticismo, digo místico sobre Nick Drake, porque ele gravou apenas três álbuns. E não é muito conhecido, não há nenhum filme, poucas palavras gravadas".

Certo dia, em 1971, Nick estava cansado da falta de sucesso, da falta de dinheiro, da falação da plateia no que bar em que tocava, quando disse: "chega, eu vou embora". Nunca mais foi visto em público. Em 1974 Gabrielle recebeu a notícia da morte dele e diz "eu sabia. Em um nível, eu não sabia de nada, mas em nível mais profundo, eu sabia". O garoto sensível de um metro e noventa decidiu sair da vida em se tornar uma lenda quando tinha apenas 26 anos de idade. Bom, este texto não existe pra contar toda a história de Nick Drake, mas se este texto existe em pleno ano de 2013 significa que o jovem tímido, culto, elegante e virtuoso ao violão teve que deixar Londres e voltar à casa dos pais em por falta de dinheiro, venceu.

Veja o documentário num domingo à tarde, sem pressa ou distrações. E o mais importante: de coração aberto.